segunda-feira, 17 de novembro de 2014
domingo, 16 de novembro de 2014
Prólogo do livro "Possuída pela paixão"
Rio
de Janeiro, Morro dos Macacos, 21 de março de 2010.
Calcula-se
que a descida de uma gota de chuva leva de quatro a cinco minutos e atinge uma
velocidade entre 18 e 28 km/h, mas as gotas daquele fatídico temporal desceram
tão rápido que certamente bateram recordes de tempo e velocidade já registrados
em uma chuva.
Faltavam
poucos minutos para o meio-dia quando o cheiro inconfundível da chuva tomou
conta de todo o morro. As nuvens tremendamente carregadas estavam tão negras
que a noite já parecia estar chegando e logo os primeiros pingos começaram a
cair. Instantes depois o céu desabou de vez. As águas de março desceram em
enxurradas as ladeiras daquele morro numa velocidade avassaladora, levando pau,
pedra e tudo o que estivesse pelo caminho, mas deixando o medo da morte no
semblante de cada morador daquele lugar.
Em
pouco tempo a chuva penetrou o solo e com isso surgiram inúmeras áreas de
escoamento, causando rachaduras e fendas, o que favoreceu ainda mais o iminente
risco de deslizamentos. No Morro dos Macacos todos os anos era assim e a
consequência era sempre a mesma, barracos soterrados, muitas vezes com famílias
inteiras dentro.
No
meio daquela terrível tormenta, um rapaz de 25 anos caminhava apressado pelos
estreitos e emaranhados becos da favela. Numa mão ele segurava um guarda-chuva,
na outra uma mochila preta. Procurava pelo barraco de um sujeito conhecido por
Mandu. No interior desse casebre, o silêncio só era quebrado pelo barulho das
goteiras que pingavam sem parar em cinco vasilhas espalhadas pelo chão batido e
pelas três enormes varejeiras que sobrevoavam uma pequena mesa com dois pratos,
contendo restos de arroz, feijão e costelinhas de porco mal passadas.
Em
um minúsculo cômodo, amarrada a uma cadeira e amordaçada com fita adesiva, se
encontrava Ester, uma jovem de 21 anos de idade, cabelos castanhos claros e bem
longos. Seus olhos cor de mel expressavam pânico e exaustão. O esquerdo estava
roxo e inchado, mas o resto do seu rosto, de pele clara e traços perfeitos,
revelava uma linda e bem cuidada mulher. Ela não sabia, mas, naquele momento,
as pessoas que a prenderam já haviam a sentenciado ao estupro e à morte.
Quase
delirando por não dormir há muitas horas, Ester se lembrou de algumas palavras
ditas por sua tia benzedeira, a sábia Naná: “A vida da gente passa o tempo todo
por mudanças, assim como o "crima" da Terra. Às vezes estamos bem como
um lindo dia ensolarado, outras, nos encontramos cheios de "pobremas", como
se o mundo fosse desabar na cabeça da gente, parecendo que estamos enfrentando
uma grande tempestade”.
“É...
tia Naná tinha razão...”, pensou Ester, que, vencida pelo sono, virou o pescoço
para o lado e apagou.
De
repente, foi subitamente acordada com o rapaz da mochila preta sendo
abruptamente atirado aos seus pés. Com as mãos amarradas para trás, ele se
ajoelhou perante a moça e seus olhos encheram-se de lágrimas ao focalizar os
dela, constatando sua face suja e machucada. Seus rostos se aproximaram e as
emoções se fundiram entre a paixão, a angústia e o medo.
—
Por que arriscou sua vida por mim? – Perguntou o rapaz, ao quebrar o silêncio
que acabara de se formar.
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