domingo, 16 de novembro de 2014

Prólogo do livro "Possuída pela paixão"


Rio de Janeiro, Morro dos Macacos, 21 de março de 2010.

Calcula-se que a descida de uma gota de chuva leva de quatro a cinco minutos e atinge uma velocidade entre 18 e 28 km/h, mas as gotas daquele fatídico temporal desceram tão rápido que certamente bateram recordes de tempo e velocidade já registrados em uma chuva.

Faltavam poucos minutos para o meio-dia quando o cheiro inconfundível da chuva tomou conta de todo o morro. As nuvens tremendamente carregadas estavam tão negras que a noite já parecia estar chegando e logo os primeiros pingos começaram a cair. Instantes depois o céu desabou de vez. As águas de março desceram em enxurradas as ladeiras daquele morro numa velocidade avassaladora, levando pau, pedra e tudo o que estivesse pelo caminho, mas deixando o medo da morte no semblante de cada morador daquele lugar.

Em pouco tempo a chuva penetrou o solo e com isso surgiram inúmeras áreas de escoamento, causando rachaduras e fendas, o que favoreceu ainda mais o iminente risco de deslizamentos. No Morro dos Macacos todos os anos era assim e a consequência era sempre a mesma, barracos soterrados, muitas vezes com famílias inteiras dentro.

No meio daquela terrível tormenta, um rapaz de 25 anos caminhava apressado pelos estreitos e emaranhados becos da favela. Numa mão ele segurava um guarda-chuva, na outra uma mochila preta. Procurava pelo barraco de um sujeito conhecido por Mandu. No interior desse casebre, o silêncio só era quebrado pelo barulho das goteiras que pingavam sem parar em cinco vasilhas espalhadas pelo chão batido e pelas três enormes varejeiras que sobrevoavam uma pequena mesa com dois pratos, contendo restos de arroz, feijão e costelinhas de porco mal passadas.

Em um minúsculo cômodo, amarrada a uma cadeira e amordaçada com fita adesiva, se encontrava Ester, uma jovem de 21 anos de idade, cabelos castanhos claros e bem longos. Seus olhos cor de mel expressavam pânico e exaustão. O esquerdo estava roxo e inchado, mas o resto do seu rosto, de pele clara e traços perfeitos, revelava uma linda e bem cuidada mulher. Ela não sabia, mas, naquele momento, as pessoas que a prenderam já haviam a sentenciado ao estupro e à morte.

Quase delirando por não dormir há muitas horas, Ester se lembrou de algumas palavras ditas por sua tia benzedeira, a sábia Naná: “A vida da gente passa o tempo todo por mudanças, assim como o "crima" da Terra. Às vezes estamos bem como um lindo dia ensolarado, outras, nos encontramos cheios de "pobremas", como se o mundo fosse desabar na cabeça da gente, parecendo que estamos enfrentando uma grande tempestade”.

“É... tia Naná tinha razão...”, pensou Ester, que, vencida pelo sono, virou o pescoço para o lado e apagou.

De repente, foi subitamente acordada com o rapaz da mochila preta sendo abruptamente atirado aos seus pés. Com as mãos amarradas para trás, ele se ajoelhou perante a moça e seus olhos encheram-se de lágrimas ao focalizar os dela, constatando sua face suja e machucada. Seus rostos se aproximaram e as emoções se fundiram entre a paixão, a angústia e o medo.

— Por que arriscou sua vida por mim? – Perguntou o rapaz, ao quebrar o silêncio que acabara de se formar.







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